sábado, 18 de maio de 2013

Neorrealismo italiano


Clara Calamai e Massimo Girotti são amantes amaldiçoados
no filme de Luchino Visconti, "Obsessão", considerado 
um dos primeiros neorrealistas

O termo "neorrealismo" foi cunhado pelos críticos italianos no início da década de 1940. O roteirista Cesare Zavattini foi um dos principais nomes do movimento e um de seus mais importantes teóricos. Ele convocou os cineastas para saírem às ruas, subirem em ônibus e bondes e "roubarem" as histórias do cotidiano, relatando em seu diário de guerra Diario di cinema e di vita: "Montemos a câmera na rua, num quarto, observemos com paciência insaciável, treinemo-nos para contemplar nossos semelhantes em seus gestos mais simples." Zavattini escreveu os roteiros de filmes como "Ladrões de bicicletas (1948), "Umberto D." (1952) e "Milagre em Milão" (1951), todos com foco nas dificuldades que as pessoas comuns enfrentavam na Itália da época. O cinema italiano do período neorrealista está repleto de histórias de pessoas tentando resolver dilemas cotidianos. O movimento era uma reação ao estilo dos filmes Telefone Bianco (Telefone Branco) da década de 1930, que copiavam os filmes de Hollywood e se concentravam na vida burguesa. As películas neorrealistas geralmente usavam atores amadores e eram filmadas em áreas pobres, in loco, retratando pessoas em suas atividades diárias, com ênfase no realismo áspero e na sensação de energia resistente

"Obsessão" (1943), dirigido por Luchino Visconti (1906-1976), é às vezes citado como o primeiro filme neorrealista, embora seja uma obra com fortes elementos noir. Seu roteiro se baseia num romance policial de James M. Cain, "O destino bate à sua porta" (1934). Visconti trabalhou com seus colegas escritores e cineastas da revista Cinema, entre eles Giuseppe de Santis. É uma história que se passa no interior da Itália, sobre um vagabundo que tem um caso com a dona de um restaurante; os amantes planejam matar o marido. Visconti enfrentou problemas com a censura por causa do filme, que foi proibido na Itália sob o regime fascista.

Os protagonistas do neorrealismo variam de muito jovens a muito velhos. "Umberto D.", dirigido por Vittorio de Sica (1902-1974), conta a história de um idoso (Carlo Battisti) empobrecido que se apega desesperadamente à sua dignidade. Ele vagueia por Roma com seu único e leal companheiro: um cachorro. Por outro lado, crianças têm papéis de destaque em "Ladrões de bicicletas" e "Milagre em Milão". Mas os diretores neorrealistas nem sempre tinham uma visão documentarista sobre o material. "Milagre em Milão", de De Sica, por exemplo, fala de um grupo de mendigos que vive numa vila de barracos nos arredores de Milão do pós-guerra e pode muito bem ser descrito como "realismo mágico". Ele trata ao mesmo tempo de ambiciosos proprietários de terra e invasores mercenários com um forte elemento fantástico. E nem todos os filmes neorrealistas usavam atores amadores. "Roma, cidade aberta" (1945), de Roberto Rossellini (1906-1977), é estrelado por Anna Magnani, um dos principais nomes do cinema do pós-guerra, e pelo ator, escritor e diretor Aldo Fabrizi (1905-1990)

"Alemanha, ano zero", de Roberto Rossellini, conta a trágica história de um
menino que tenta sobreviver na Berlim do pós-guerra. Ele mostra que,
apesar do fim do conflito, seus efeitos ainda são sentidos pelos sobreviventes

"Roma, cidade aberta" ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes e provocou impacto imediato. Reza a lenda que o diretor compôs o filme com "refugos" - pedaços de filmes dados a ele por soldados cinegrafistas americanos que libertaram Roma na Segunda Guerra Mundial. Seu estilo de filmagem, no entanto, estava restrito à condições sob as quais trabalhava. As cenas foram filmadas rapidamente enquanto se escondia dos nazistas e das gangues formadas por jovens italianos que queriam obrigá-lo a lutar pelo fascismo. A ideia de o filme ter sido feito de maneira improvisada é um exagero, Ainda assim, ele exibia certa rusticidade e certa energia que acabariam sendo vistas como marcas registradas do neorrealismo.

Rossellini dirigiu ainda "Paisà" (1946), um longo filme sobre o fim da guerra na Itália. A ele se seguiu o brutal "Alemanha, ano zero" (1948), que se passa na Berlim em ruínas e conta em detalhes o empenho de um jovem lutando para sobreviver logo depois da derrota dos nazistas. Há uma grande diferença entre os filmes da trilogia de guerra de Rossellini e seu trabalho com Ingrid Bergman em "Stromboli" (1950). Este filme conta uma história estranha sobre uma jovem imigrante lituana que se casa com um pescador italiano para fugir de um campo de refugiados no fim da guerra. Ela passa a viver com o marido numa remota ilha e se descobre confusa oprimida pela sociedade machista que lá encontra.

Um cartaz italiano do filme "Stromboli", estralado
por Ingrid Bergman, enfatiza a dureza da vida que sua
personagem enfrenta quando se muda para
uma ilha vulcânica.

No início da década de 1950, o cinema neorrealista na Itália já não exibia o imediatismo que caracterizara o movimento nos anos que se seguiram à guerra. As condições haviam mudado; a sociedade italiana estava mais rica e os cineastas, menos preocupados em retratar os que viviam à margem dessa sociedade. Ainda assim, a influência do neorrealismo foi grande; o Cinema Novo, no Brasil, o Cinema Livre, na Grã-Bretanha, a Nouvelle Vague francesa e o movimento cinéma verrité nos documentários foram todos influenciados pelas obras de diretores como De Sica e Rossellini na década de 1940.

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

1940 - Frederico Fellini (1920-1993) começa a trabalhar como roteirista em Roma.
1942 - De Sica trabalha com Zavattini pela primeira vez no roteiro de "A culpa dos pais" (1944).
1943 - Considerado um dos primeiros filmes neorrealistas, "Obsessão" cai nas garras dos censores facistas italianos, que destroem o negativo do filme. Mas Visconti salva uma cópia.
1944 - Frederico Fellini conhece Roberto Rossellini, que o chama para escrever os diálogos de "Roma, cidade aberta".
1945 - Roberto Rossellini produz o primeiro filme de sua trilogia sobre a guerra, "Roma, cidade aberta".
1947 - Michelangelo Antonioni (1912-2007) coescreve o roteiro de "Caccia Tragica", de De Santis, sobre uma cooperativa agrícola.
1948 - Luchino Visconti dirige "A terra treme". Seu estilo se aproxima do que é hoje considerado neorrealismo.
1948 - "Ladrões de bicicletas", de De Sica, é lançado. O filme é considerado um clássico do neorrealismo e recebe um Oscar Honorário em 1950.
1949 - De Santis faz Silvana Mangano uma estrela e um símbolo sexual ao escalá-la como uma camponesa no então chocante "Arroz amargo".
1949 - A Lei Andreotti concede subsídios a cineastas italianos cuja obra seja aprovada pelo governo e que não maculem a imagem da Itália.
1950 - Ingrid Bergman, casada, provoca escândalo ao deixar Hollywood para estrelar "Stromboli", de Rossellini, e logo depois tem um caso com o diretor.
1953 - "Os boas-vidas", filme de Fellini sobre jovens delinquentes presos numa cidadezinha, é lançado e, mais tarde ganha o Leão de Prata no Festival de Veneza.

ALGUMAS OBRAS

Roma, cidade aberta (1945)
(Roma, città aperta) - ROBERTO ROSSELLINI (1906-1977)

Depois de ver a morte de um padre, os meninos voltam a Roma pela Via Trianfole

Roberto Rossellini adotou notoriamente uma abordagem improvisada em "Roma, cidade aberta", filmado nas ruas da recém-libertada Roma. A maior parte do material foi filmada sem som, com elementos sonoros acrescentados posteriormente. A edição é brusca porque o diretor não tinha filme de sobra. "Geralmente o negativo acabava antes da cena", reclamava Aldo Fabrizi, que interpretou um padre na resistência antinazista.

O diretor se inspirou nas próprias experiências enquanto se escondia das patrulhas nazistas que procuravam jovens italianos para obrigá-los a lutar pelo fascismo. Ele originalmente planejava fazer um documentário; ao transformá-lo em ficção, o fez com o olhar de um documentarista. "Tentei captar a realidade", disse ele certa vez, "nada além disso". As cenas de tortura parecem estranhamente caricaturais no mundo contemporâneo de Gunatánamo e Abu Ghraib. Vemos um membro da resistência sendo esfolado, açoitado e queimado enquanto Don Pietro (Fabrizi) está sentado no cômodo ao lado.

Um fascista sem rosto ameaça
Don Pietro e Pina.


Como notaram os críticos, "Roma, cidade aberta" não é explicitamente um filme neorrealista como parece de início. Além da filmagem documental, reúne elementos que combinariam mais com um melodrama hollywoodiano. Há uma dona de casa corajosa (Anna Magnami) que parece uma Sra. Miniver italiana, meninos de rua heroicos e um padre bem semelhante ao padre Brown. Numa cena assustadora, a jovem atriz que trai a resistência desmaia ao perceber o sofrimento que causou. Ela recebera um casaco de pele como propina para deletar os combatentes. Enquanto está desmaiada, seu casaco é retirado do corpo para ser reutilizado no convencimento de outra traidora. Ninguém sabia filmar um acena de morte melhor que Rossellini: o assassinato de Magnami, correndo pelas ruas, e a execução do padre diante de várias crianças são encenados com o máximo de compaixão e dramaticidade.




CENAS MARCANTES

A MORTE DE PINA

Quando seu noivo Francesco é preso pelos nazistas e levado num caminhão, Pina (Magnami) corre atrás dele. Numa tomada que parece tirada diretamente de um cinejornal, ela é morta no meio da estrada. Seu filho, em desespero, se joga sobre o corpo dela

A INVASÃO NO BLOCO DE APARTAMENTOS

Uma ronda nazista ordena que os ocupantes de um bloco de apartamentos, entre eles pessoas doentes, reúnam-se do lado de fora, no pátio. Don Pietro chega a tempo de esconder sob a cama de um velho as armas pertencentes à resistência.

Ladrões de bicicletas (1948)
(Ladri di biciclette) - VITTORIO DE SICA  (1902-1974)

Os atores amadores Maggiorani e Staiola exibem interpretações
tocantes, mas não sentimentais

Se a qualidade de um filme pode ser medida pela admiração que desperta, "Ladrões de bicicletas" deve ser o melhor filme do mundo. Diretores como René Clair (1898-1981), Jacques Becker (1906-1960) e Robert Bresson (1901-1999) escreveram com entusiasmo sobre a fábula neorrealista de De Sica e sobre sua simplicidade. Um homem desempregado (Lamberto Maggiorani) na Roma do pós-guerra recebe uma oferta de emprego para colar cartazes pelas ruas - com a condição de que tenha uma bicicleta. Ele compra uma, mas, depois que ela é roubada, sua vida ameaça desmoronar. De Sica e seus roteiristas perceberam o imenso drama que podia haver numa história cotidiana. As dificuldades de Antonio e seu filho tentando recuperar a bicicleta provam ser tão emocionantes quanto as de um herói num filme de ação. Uma cidade tumultuada cria um cenário tão dramático quanto um campo de batalha.

Cartaz do filme que recebeu um Oscar Honorário
em 1950
O diretor vendeu o filme para o produtor hollywoodiano David O. Selznick, que propõs Cary Grant para o papel do desempregado. De Sica respondeu que Henry Fonda talvez fosse o melhor. Por fim, De Sica escalou Maggiorani, "um simples trabalhador de Breda que deixou seu emprego durante dois meses para me emprestas seu rosto". Apesar da falta de experiência, era incrivelmente belo e elegante.

Certas cenas são extremamente estilizadas. Enquanto Antonio procura por sua bicicleta, De Sica mostra cenas de uma bicicleta após a outra. Há algo de assustador nessa busca - como se toda a cidade estivesse contra ele. De Sica também captou muito do drama real das ruas. O menino (Enzo Staiola) não é uma uma criança típica da Disney, com olhos escuros e covinha no queixo; Staiola era filho de refugiados e há certa rudeza e desenvoltura em sua atuação. E isso apenas acrescenta compaixão ao filme. Como disse o próprio De Sica: "É a criança mais adorável do mundo."


Confira o filme completo no link abaixo:

"Ladrões de bicicleta"


Fonte: KEMP, Phillip. Tudo sobre cinema /  Phillip Kemp (tradução de Fabiano Morais... et al); Rio de Janeiro: Sextante, 2011

2 comentários:

  1. só uma obs -
    o texto é baseado no kemp, pelo q entendo.
    O
    "Se a qualidade de um filme pode ser medida pela admiração que desperta, "Ladrões de bicicletas" deve ser o melhor filme do mundo" menos, seja da fonte ou de vcs hehe

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