sexta-feira, 14 de junho de 2013

Os primeiros épicos

Com o objetivo de aproximar o leitor à gramática e à história do cinema, o blog Diaporama inicia, hoje, uma série de posts que falam sobre o início do cinema até os anos 2000. O objetivo é que, até o fim do ano, pesquisemos mais sobre a trajetória da sétima arte. Tanto para o leitor quanto para a equipe que escreve este blog, a ideia surge da necessidade de um maior repertório e aprendizagem sobre o assunto. As pesquisas são feitas pela internet e livros especializados (especificamente, "Tudo sobre cinema", de Philip Kemp). Para começar, falaremos sobre os primeiros épicos.

Os épicos exigem cenários elaborados, como esse em que se deu a corrida de bigas em "Quo Vadis?"
Os épicos são conhecidos por seus orçamentos vultuosos, cenários grandiosos, elencos enormes, olhar abrangente e, às vezes, por seus efeitos especiais. Nos primórdios do cinema, a tecnologia rudimentar limitava a capacidade de produção dos cineastas, porém, à medida em que ela se desenvolveu, os diretores puderam dar asas à imaginação. As origens do cinema épico se encontram na Europa e, mais precisamente, na Itália, onde os cineastas buscaram inspiração no passado clássico de seu país para realizar filmes visualmente extravagantes e de dimensões operísticas. Enrico Guazzoni (1876-1949) utilizou 5 mil figurantes em seu drama de nove rolos "Quo Vadis?" (1912), ambientado na Roma Antiga. Giovanni Pastrone (1883-1959) filmou "Cabiria: visione storica del terzo secolo AC" em múltiplas locações. O filme tem três horas de duração, um elenco de centenas de atores e cenários espetaculares. Pastrone e seu fotógrafo espanhol Segundo De Chomón foram os primeiros a utilizar um sistema de carrinho sobre trilhos para que a câmera pudesse se mover, o que lhes possibilitou criar travellings (efeitos de aproximação com a câmera) ininterruptos. De Chómon foi um especialista dos efeitos especiais, colaborando em "Napoleão (1927), dirigido por Abel Gance (1889-1981), um épico que explorou diversas técnicas de filmagem. Os épicos italianos do tipo espada e sandália foram uma grande influência para a produção hollywoodiana e inspiraram Cecil B. DeMille (1881-1959) a realizar sua primeira versão de "Os dez mandamentos" (1923), um espetáculo de 136 minutos que dramatiza a história bíblica de Moisés. DeMille pôs novamente em ação seu tino para grandes produções em 1927, quando dirigiu o espetacular épico bíblico "O rei dos reis", que contou com milhares de figurantes, e narrava a vida e morte de Jesus Cristo.

Cartaz do filme "Civilização". O tema
da guerra funcionou bem nas telas.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914, foi interrompido o desenvolvimento da indústria cinematográfica europeia, porém, os cineastas americanos continuaram a romper as barreiras da sétima arte. D.W. Griffith (1875-1948) dirigiu uma saga sobre a Guerra Civil Americana, "O nascimento de uma nação" (1915), uma obra inovadora por seu estilo técnico e narrativa. Só que os Estados Unidos não passaram ilesos pelos acontecimentos na Europa e o objetivo do filme era mostrar a guerra como algo abominável. Diretores exploraram o tema mais a fundo com filmes pacifistas como o alegórico "Civilização" (1916), de Thomas H. Ince (1882-1924). Ince foi um titã da incipiente indústria cinematográfica: um cineasta que também definiu os papéis de produtor e de produtor executivo no cinema, ajudou a desenvolver o sistema de estúdios em Hollywood e, em 1915, tornou-se cofundador da primeira grande produtora independente hollywoodiana, a Triangle Motion Picture Company.

Ince percebeu a necessidade de um lugar para a realização de longas-metragens que precisavam de sets, objetos cênicos, camarins e cenários grandiosos. Então, construiu o primeiro estúdio de que se tem notícia, a Inceville, num rancho em Los Angeles, onde filmou "Civilização". Passado no reino imaginário de Wredpryd, o filme acompanha o destino do comandante de um submarino que se recusava a atirar em um transatlântico civil suspeito de transportar munição para países inimigos. Em seguida, ele põe a pique a sua própria embarcação e vai parar no Purgatório. Ince, um verdadeiro showman, promoveu seu filme de 1 milhão de dólares com anúncios de jornal que ostentavam a extravagância da produção: "Dezoito mil dólares usados para munição em uma só batalha / 40 mil pessoas em uma grande batalha aérea." O filme foi um sucesso e seu retrato sangrento da guerra se mostrou tão eficiente que, quando os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial em 1917, ele foi retirado de cartaz.

Jesus (H. B. Warner) partilha o pão e vinho no épico bíblico "O rei dos reis",
de Cecil B. DeMille
Após conflito, diretores como Fritz Lang (1890-1976 causaram impacto na Europa. "Os nibelungos: a morte de Siegfriend" e "Os nibelungos: a vingança de Kriemhild" (ambos de 1924) foram baseados em um poema do século XIII sobre o guerreiro teutônico Siegfried. Produções suntuosas, com cenários fantásticos, cenas de batalha coreografadas e criaturas mitológicas, esses filmes assentaram as bases do épico de fantasia. No entanto, foi uma película cujo tema era a Primeira Guerra que se tornou o maior sucesso de bilheteria da era do cinema mudo: "O grande desfile" (1925), dirigido por King Vidor (1894-1982), alcançou a marca sem precedentes de 96 semanas em cartaz no Astor Theater de Nova York. Vidor criou um épico antibelicista que demonstra a brutalidade da guerra de trincheiras e emociona pelo retrato realista da intimidade. O filme traz John Gilbert no papel de Jim, um jovem rico e preguiçoso que é coagido a se alistar no Exército. À medida que amadurece, Jim faz amizade com seus colegas soldados, se apaixona por uma garota francesa e encara a realidade de perder seus entes queridos. A atenção que Vidor dispensa à camaradagem brincalhona entre os jovens soldados torna ainda mais aflitivo o destino fatal que os aguarda.

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

1912 - "Quo vadis?", o drama de 120 minutos, de Enrico Guazzoni, é a primeira produção cinematográfica com duas horas de duração.

1912 - Em Los Angeles, Thomas H. Ince constrói a Inceville, uma cidade de sets de filmagem onde ele dirige a maior parte dos seus filmes.

1913 - Os italianos Mario Caserini (1874-1920) e Eleuterio Rodolfi (1876-1933) realizam o extravagante "Os últimos dias de Pompeia".

1914 - "Cabiria" custa mais mais de 1 milhão de liras para ser realizado e se torna o filme mais caro de sua época.

1915 - "O nascimento de uma nação", com seus 190 minutos, quebra o recorde de filme mais longo do cinema.

1916 - D. W. Griffith responde a acusações de preconceito realizando o épico "Intolerância."

1921 - Influenciado por "Intolerância", Carl Theodor Dreyer (1889-1968) dirige "Páginas do livro de Satã", com suas várias histórias paralelas.

1923 - "Os dez mandamentos", de Cecil B. DeMille, um dos primeiros filmes coloridos do cinema, impressiona e maravilha os espectadores com o uso de trechos em tecnicolor.

1925 - Uma versão da primeira parte de "Os nibelungos", de Fritz Lang, é lançada nos EUA com uma trilha sonora wagneriana, o que enfurece o diretor austríaco. 

1925 - Erich Von Stroheim (1885-1957) gasta 500 mil dólares para filmar o drama de 100 horas de duração "Ouro e madição". O filme é lançado pela MGM após ser reduzido para 150 minutos.

1927 - É lançado "O rei dos reis", épico de 1,26 milhão de dólares de Cecil B. DeMille sobre a vida de Cristo, que conta com um elenco de milhares de figurantes.

O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO - 1915
(The Birth of a Nation) - D. W. GRIFFITH  (1875-1948)

A Ku Klux Klan cavalga triunfante por um cidade defendida por soldados negros.
Os méritos do filme de D. W. Griffith são, de certa forma, eclipsados por seus conteúdo. Este relato épico de 190 minutos da Guerra Civil Americana e da subsequente ascensão da Ku Klux Clan é uma adaptação da peça teatral "The Clansman" (1905), do reverendo Thomas Dixon Jr. Ele analisa em detalhes os problemas que surgem quando os negros alcançam a igualdade de direitos dos brancos e celebra a bravura de uma sociedade secreta que "salvou o Sul da anarquia do domínio da raça negra".


No que se refere à técnica e à narrativa, o filme é uma maravilha dos primórdios do cinema. Outros diretores podem ter brincado com o potencial dos filmes e ajudado a forjar uma linguagem básica, porém foi Griffith quem a transformou em uma sintaxe cinematográfica ao reunir todas as técnicas já existentes, o que lhe permitiu expandir seus horizontes ao contar a história de duas famílias divididas pela Guerra Civil. Contudo, é impossível louvar tamanha inovação sem reservas em um filme cuja cena de abertura afirma ao espectador que "a vinda forçada dos africanos para os EUA plantou a semente da discórdia."

O cartaz reflete o célebre retrato dos cavaleiros
do clã como nobres.
O filme é dividido em duas partes, sendo que a primeira praticamente se limita à reconstituição histórica de como o Norte e o Sul entraram em conflito. No entanto, após o assassinato do presidente, Griffith embarcou em uma história alternativa da sociedade do pós-guerra, na qual o homem negro "comum" se encontra corrompido. Griffith argumentou que não havia atores negros na Califórnia à época, de modo que atores brancos maquiados representam os principais personagens negros e mestiços. Apesar dos protestos da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, o filme arrecadou uma bilheteria recorde de 18 milhões de dólares. Ele também reavivou o interesse na Ku Klux Klan, que àquela altura já havia praticamente desaparecido.

Confira "O Nascimento de uma nação" no link abaixo.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A sociedade nas telas

As correntes dos presos são conferidas no contundente drama prisional "O fugitivos".
Graças ao filmes, muitos detentos em regime de trabalho forçado entraram com recurso
de apelação e foram libertados nos Estados Unidos.
Durante a época economicamente conturbada da Grande Depressão, os filmes ofereciam uma janela acessível para o mundo, um lugar onde os espectadores americanos tinham a chance de vislumbrar suas vidas. Pelo preço de um ingresso, qualquer um que fosse ao cinema podia ver sofisticação e glamour em filmes como "Grande Hotel" (1932) e "Ladrão de alcova" (1932) ou aprender sobre a vida de grandes homens como Louis Pasteur e Émile Zola por meio de cinebiografias. Com "Cidadão Kane" (1941), os espectadores puderam penetrar no mundo de uma celebridade contemporânea, o magnata da imprensa William Randolph Hearst.

Vez por outra, os grandes estúdios se sentiam preparados para educar as plateias sobre alguns dos aspectos mais sombrios da sociedade americana. Em 1931, a Warner Bros. comprou um artigo autobiográfico escrito por Robert Elliott Burns, veiculado na revista True Detective e mais tarde publicado como o livro I Am a Fugitive from a Georgia Chain Gang. Apesar das dúvidas quanto ao tema - um diretor o descartou sob o argumento de que era inadequado para uma época "em que as pessoas em geral se encontram tão deprimidas que muitas estão pulando pelas janelas" -, o estúdio insistiu e Burns, embora ainda fosse tecnicamente um foragido da justiça, foi contratado em segredo para trabalhar em uma primeira versão do roteiro. O sucesso de "O fugitivo" (1932), dirigido por Mervyn LeRoy (1900-1987) e com Paul Muni no papel do fugitivo James Allen, revelou de forma incisiva a crueldade do sistema penal do sul do Estados Unidos.
Spencer Tracy vira o jogo ao enfrentar uma turba que pretende linchá-lo
em "Fúria". Este foi o primeiro filme do exilado alemão Fritz Lang em Hollywood.

Fritz Lang (1890-1976) realizou uma denúncia poderosa de outro segredo americano. "Fúria" (1936) foi inspirado na história real de um duplo linchamento em San Jose três anos antes. Spencer Tracy interpreta Joe Wilson, um homem acusado por engano de raptar uma criança. Quando uma turba ensandecida ateia fogo no presídio, ele consegue escapar, mas finge estar morto para que os responsáveis sejam acusados de assassinato. Na verdade, quase todas as pessoas que sofriam linchamento na época eram negras, fato que nenhum estúdio estava interessado em divulgar. A força singular de "Fúria" está na maneira como os espectadores se veem impelidos a simpatizar, de forma incômoda, com os linchadores que também se tornam vítimas de uma injustiça.

Frank Capra (1897-1991) ofereceu uma visão mais otimista das angústias do homem comum. O historiador Robert Sklar atribui o segredo do sucesso de Capra a "sua capacidade de convencer os espectadores de que eles estavam vendo suas próprias forças e fraquezas, seus próprios sonhos e valores, enfim, vendo a si mesmo representados nas telas". Os heróis clássicos de Capra, como Longfellow Deeds, que tenta se livrar de uma herança de 20 milhões de dólares em "O galante Mr. Deeds" (1936), são inocentes cuja bondade é explorada pelos ricos, poderosos e cínicos.
Cartaz de "O galante Mr. Deeds". A comédia
de Capra contrasta os valores tradicionais
das cidades pequenas com a sofisticação egoísta
das metrópoles.
Os heróis de Capra podem ser vítimas de políticos corruptos e do capitalismo, mas não são outsiders. Representar a vida dos despossuídos nas telas era mais problemático. Quando Darryl Zanuck adquiriu os direitos do romance "As vinhas da ira" (1939), de John Steinbeck, o destino dos refugiados do Dust Bowl - série de violentas tempestades de areia que devastaram o sul dos Estados Unidos nos anos 1930 - era uma realidade que muitos não estavam dispostos a encarar. A sensível versão para as telas de John Ford (1894-1973) tocou a consciência coletiva dos cinéfilos da década de 1940. O cantor Woody Guthrie, que reescreveu a história na forma de canção, resumiu sua importância: "Vá assistir 'As vinhas de ira', parceiro... você é o astro daquele filme. Vá ver a si mesmo, ouvir suas próprias palavras e sua própria canção."

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

1930 - O duplo linchamento de dois negros em Indiana é o último caso desse tipo registrado contra negros em um estado do norte dos Estados Unidos.

1931 - Apesar da Grande Depressão, a RKO Pictures produz a superprodução "Cimarron", sobre a Corrida por Terras em Oklahoma no século XIX.

1931 - "Luzes da cidade", dirigido e estrelado por Charlie Chaplin (1889-1977), é uma das explorações mais profundas de sua persona do "vabagundo".

1932 - Mervyn LeRoy dirige "O fugitivo", uma denúncia pungente das práticas penais da época.

1933 - Thomas Thurmond e John M. Holmes são linchados em San Jose, na Califórnia, pelo suposto assassinato de Brooke Hart. O linchamento é transmitido ao vivo por rádio.

1934 - As cinebiografias "A família Barret" a "A casa de Rothchild" são lançadas.

1935 - É lançado "David Copperfield", baseado no romance de Charles Dickens e dirigido por George Cukor (1899-1983).

1936 - Chaplin retrata a pobreza, as greves, o desemprego, a intolerância política e a monotonia das máquinas em "Tempos modernos", seu último filme como Carlitos.

1937 - Após o sucesso de "A história de Louis Pasteur" (1936), William Dieterle (1893-1972) filma "A vida de Émile Zola".

1939 - Jefferson Smith tenta usar a política para construir um mundo melhor em "A mulher faz o homem", de Frank Capra.

1940 - "As vinhas de ira", baseado no romance de John Steinbeck, revela o drama das comunidades agrícolas despossuídas dos Estados Unidos.

1941 - "Cidade Kane" é lançado. Sem conseguir evitar que o filme fosse realizado, William Randolph Hearst tenta desacreditá-lo.

CIDADÃO KANE - 1941
(Citizen Kane) - Orson Welles    1915-1985

O sonho americano acaba se mostrando vazio para o gigante da imprensa Charles Foster Kane.

"Cidadão Kane", a estreia de Orson Welles na direção, sempre foi considerado "o melhor filme de todos os tempos", o que torna difícil analisá-lo com clareza. Mitos se formaram ao seu redor: que Welles foi o pioneiro de uma série de técnicas cinematográficas inovadoras; que o filme foi desprezado à época do lançamento por ser considerado pretensioso demais. Welles não foi o primeiro a usar técnicas como maior profundidade de campo; sets com teto aparente; superposição sonora;  jump cuts; diálogos "naturalistas", em que as falas se atropelam; iluminação chiaroscuro; ou uma narrativa com múltiplos pontos de vista - embora nenhum outro cineasta tivesse ousado combiná-las com tanto fervor e criatividade estética quanto ele. Quando "Cidadão Kane" entrou em cartaz, a maioria dos críticos o recebeu com entusiasmo, porém, seu lançamento foi sabotado. O barão da imprensa William Randolph Hearst não teve o menor problema em se reconhecer no personagem de Charles Foster Kane e, em um piscar de olhos, toda a sua poderosa máquina de relações públicas entrou em ação contra o filme de Welles, garantindo que ele nunca tivesse um lançamento decente.
O nome de Welles domina o cartaz
do filme pelo qual tentou levar todo o crédito
Para uma obra tão revolucionária, a mensagem por trás do filme é surpreendentemente convencional: os ricos não devem ser invejados por sua riqueza porque eles perderam os simples prazeres do amor verdadeiro e da felicidade. Ainda assim, ele merece seus status: primeiro, pelo fato de a assinatura de Welles ser tão cativante, impressa de forma tão indelével em cada fotograma; segundo, porque hoje os espectadores podem reconhecer muito de Welles no próprio protagonista. "Cidadão Kane" ainda é um filme importantíssimo, porém, em meio a sua grandiloquência visual, ao seu exibicionismo barroco e às suas técnicas ostensivas - por mais fascinantes que sejam -, podemos visualizar a frustração do bloqueio criativo que o futuro reservava para o genial Welles como uma terrível premonição.

CENAS MARCANTES

1. "ROSEBUD"
Prester a morrer, Kane (Welles) diz uma só palavra. "Rosebud", que lança o repórter Thompson (William Alland) em uma cruzada para descobrir a "verdade" sobre quem era Kane de fato. O globo de neve vincula o final da vida do personagem à sua infância; ele simboliza uma existência mais calma e simples.

2. CENAS DE UM CASAMENTO
Em uma habilidosa superposição de cenas de café da manhã ao longo de vários anos, Welles demonstra a deterioração gradativa do casamento de Kane com sua primeira esposa, Emily (Ruth Warrick). O filme é famoso por sua narrativa não linear e o uso do flashbacks a partir de diversos pontos de vista.

3. KANE ENTRA PARA A POLÍTICA
Kane concorre ao governo de Nova York contra seu rival, o magnata corrupto Jim. W. Gettys. Esta cena é um exemplo da técnica de profundidade de campo utilizada repetidas vezes por Welles no filme. Tanto as imagens em primeiro plano quanto aquelas ao fundo estão perfeitamente em foco.

PERFIL DO DIRETOR

1915-1939
Orson Welles nasceu em Kenosha, Wisconsin. Criança prodígio, ele encenou peças de Shakeaspere aos 10 anos. Em 1930, matriculou-se no Chicago Art Institute, passando em seguida a atuar profissionalmente no Gate Theatre Dublin. Em 1933, entrou para a companhia de atores de Katherine Cornell e, em 1936 montou sua peça "Vodoo Macbeth" no Harlem. Welles fundou a Mercury Theatre Company com John Houseman e o "Júlio César fascista" da companhia foi uma sensação na Broadway. Ele passou a trabalhar regularmente como radialista; a adaptação da Mercury de "A guerra dos mundos" para o rádio foi tão realista que causou pânico generalizado entre os ouvintes. Em 1939, foi convidado a dirigir filmes em Hollywood para a RKO. O estúdio lhe ofereceu um contrato para duas películas, sobre as quais teria total controle artístico, algo sem precedentes para um diretor estreante.

1940-1948
Welles dirigiu, corroteirizou e estrelou "Cidadão Kane". Seu segundo filme, "Soberba" (1942), foi mutilado pelo estúdio enquanto ele estava na América Latina. A interferência dos estúdios também comprometeu seus três filmes seguintes: "O estranho" (1946), "A dama de Xangai" (1948) e "Macbeth" (1948). Em 1948, ele abandonou Hollywood, indignado.

1949-1985
Welles passou a ter uma carreira itinerante, especialmente na Europa, atuando em filmes de outros cineastas, com destaque para "O terceiro homem" (1949), dirigido por Carol Reed (1906-1976). Continuou dirigindo suas próprias películas, geralmente em condições turbulentas: "Otelo" (1952); "Grilhões do passado" (1955); "A marca da maldade" (1958, em Hollywood); "O processo (1962, baseado na obra de Kafka); "Falstaff - O toque da meia-noite" (1965, o último de seus filmes baseados em Shakeaspere); "História imortal" (1968); e "Verdades e mentiras" (1973). Deixou vários projetos inconclusos, como "Don Quixote", "The Deep" e 'The Other Side of the Wind". Embora fosse um outsider em Hollywood, Welles nunca deixou de ser procurado como ator e narrador. Também trabalhou em vários comerciais de televisão. Morreu em 10 de outubro de 1985 de ataque cardíaco, duas horas depois de aparecer no programa de entrevistas "The Merv Griffin Show".


domingo, 2 de junho de 2013

Cinema independente americano

William Blake (Johnny Deep) flutua para a morte na versão de Jim Jarmusch
para a vida em uma cidadezinha da fronteira no século XIX, em "Dead Man"

Embora o cinema independente americano tenha vivido um de seus grandes momentos nos anos 1980 e 1990, ele não foi, de forma alguma, um fenômeno restrito a esse período. O autêntico cinema independente - produzido fora dos grandes estúdios - não é novo nos Estados Unidos. Pequenos estúdios e cineastas vêm realizando suas produções desde os primeiros dias do cinema. Em vez de defini-lo simplesmente por critérios de produção e distribuição, o cinema indie é, pelo menos teoricamente, aquele com ideias próprias, resistentes às normas empregadas no grande circuito e vagamente ligado à contracultura. Os filmes independentes dos EUA são encarados como criações de cineastas com pontos de vista peculiares, que geralmente produzem e retêm os direitos sobre sua obra. Essa tradição inclui nomes tão variados quanto os de Andy Warhol (1929-1989), Robert Altman (1925-2006), John Cassavetes (1929-1987) e George A. Romero (n.1940)

O cartaz original de "Felicidade", de
Todd Solondz, sugere a infelicidade
dos personagens grotescos do filme
Os filmes independentes dos EUA floresceram com um cultura visível nos anos 1980. Figuras fundamentais foram o versátil John Sayles (n.1950), fazendo dramas contra o autoritarismo como "Matewan - A luta final" (1987), e Jim Jarmusch (n.1953), cujo estilo lacônico e descolado tem origens na cena nova-iorquina do orçamento zero do fim dos anos 1970. Joel (n.1954) e Ethan Coen (n.1957) deixaram sua primeira marca em 1984, com a comédia de humor negro "Gosto de sangue". Uma grande virada aconteceu em 1986, quando Spike Lee (n.1957) emergiu com a comédia "Ela quer tudo". A inventividade estilística, a provovação política e o empreendedorismo abriram caminho para uma nova leva de diretores afro-americanos, como John Singleton (n.1968), Matty Rich (n.1971) e os gêmeos Albert e Allen Hughes (n.1972) bem como para vozes mais experimentais como Julie Dash (n.1952)

Muitos desses pioneiros mantém longas carreiras de notável diversidade. Sayles ainda faz filmes elogiados pela crítica, como o faroeste pouco convencional "Lone Star - A estrela solitária" (1996) e a investigação sobre adoção "A casa dos bebês" (2003). Jarmusch continua a romper barreiras com filmes como o faroeste "Dead Man" (1995) e a série de vinhetas a respeito de celebridades "Sobre café e cigarros" (2003). Lee continuou a examinar os relacionamentos em "Febre da selva" (1991) e explorou o documentário "When the Levees Broke: a Requiem in Four Acts" (2006). Os irmãos Coen encontraram a fama fora do círculo dos cinéfilos com "Barton Fink" (1991) e "Fargo" (1996). Os Coen vêm trabalhando desde então em uma variedade de contextos comerciais, mas a singularidade de sua visão, consistente e às vezes perversa, os qualifica como modelos de independência. David Lynch (n.1946) desenvolveu sua carreira de forma semelhante à dos irmãos Coen, começando com um marginal por excelência com a anomalia assustadora de "Eraserhead" (1976).

Em 'Buffalo '66", Vincente Gallo estrela, ao lado de Christina Ricci,
como um homem vingativo que precisa de uma boa mulher

Iniciado em 1982, o Festival Sundance de Cinema - como é chamado desde 1991 - pôs o selo sobre uma cultura de cinema independente que prosperava em parte como uma reação ao conservadorismo predominante na gestão do presidente Ronald Reagan. O Sundance deslanchou a carreira de diversos cineastas, entre eles Steven Soderbergh (n.1963), que ganhou o prêmio do público do Sundance por "Sexo, mentiras e videotape" (1989). O filme chamou atenção para o novo cinema de baixo orçamento ao ganhar uma indicação ao Oscar e a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Desde então, como diretor e produtor, Soderbergh experimentou diversos tipos de gêneros com diversos tipos de orçamentos possíveis, dentro e fora do grande circuito. Robert Rodríguez (n.1968) se destacou no Sundance com o filme de ação "El mariachi" (1992), concebido originalmente para o mercado de vídeo doméstico de baixo custo, em espanhol. Depois de seu sucesso, Rodríguez abriu seu próprio miniestúdio. Kevin Smith (n.1970) apareceu em Sundance com o ruidoso "O balconista" (1994), filmado na loja de conveniências onde ele trabalhava. Amador entusiasmado que fez sucesso, Smith permanece como o típico representante da cena indie.


O chamativo cartaz de "Os excêntricos Tenenbaums",
de Wes Anderson, indica a peculiaridade da família em questão

Outra vertente importante foi o chamado "New Queer Cinema" (Novo cinema homossexual). Fenômeno internacional, nos Estados Unidos os pioneiros incluíram Todd Haynes (n.1961) com "Veneno" (1991) e Gus van Sant (n.1952) com "Mala noche" (1986). Os dois diretores transcenderam esse rótulo com filmes formalmente inovadores. Da mesma forma, as mulheres encontraram mais espaço para criar uma obra singular no setor independente, entre elas Allison Anders (n.1954), com seu estudo de uma gangue hispânica em Los Angeles, "Mi vida loca" (1993), e Maggie Greenwald (n.1995), com o faroeste revisionista "Uma balada para Jo" (1993).

"O balconista" foi filmado em preto e branco
e montado à noite na loja onde Kevin Smith trabalhava

O cinema independente forneceu um abrigo para os cineastas experimentais, como Todd Solondz (n.1959), com provocantes sátiras sociais como "Felicidde" (1998); Larry Clark (n.1943), com seus retratos de adolescentes das cidades, como o corajoso "Kids" (1995); Paul Thomas Anderson (n.1970), com obras elegantes com grandes elencos, como "Prazer sem limites" (1997); e Wes Anderson (n.1969), com obras inteligentes como "Os excêntricos Tenembaums" (2001). Vincente Gallo (n.1961) fez sua estreia na direção com o filme sobre um ex-presidiário falsamente acusado, "Buffalo '66" (1998), que lhe conquistou um séquito de admiradores pela releitura do gênero, pela trilha sonora excêntrica e pela fotografia inovadora. A comédia "Slacker" (1991), de Richard Linklater (n.1960), incorporou uma estética indie e também definiu uma subcultura. Sua carreira subsequente incluiria tanto filmes comerciais quanto obras experimentais como o desenho animado "Waking Life" (2001). Sofia Coppola (n.1971), filha de Francis Ford Coppola (n.1939), demonstrou que o cinema estava em suas veias com o brilhante longa de estreia, "As virgens suicidas" (1999), e ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original com "Encontros e desencontros" (2003). Depois do drama de costumes experimental, "Maria Antonieta"(2006), ela retorna alguns temas no esparso "Um lugar qualquer" (2010). Porém, o rei dos geeks no cinema continua a ser Quentin Tarantino (n.1963), cujas energias cinéfilas e obsessivas - inicialmente descarregadas no conto inventivo e econômico sobre um roubo de joias, "Cães de aluguel" (1992) - o levaram a ser saudado como menino prodígio do cinema recheado com referências à cultura pop. Ele permanece como o principal ponto de referência para os fãs da produção indie.

O cartaz do documentário de Michael Moore sobre
o massacre de Columbine trasmite a mensagem
do filme contra o uso de armas de fogo

Os filmes independentes também tiveram impacto sobre os documentários, principalmente por conta de ensaios investigativos de Michael Moore (n.1954), como "Roger e eu" (1989) e "Tiros em Columbine" (2002). O impacto da obra de Moore deu impulso a uma nova leva de documentários extremamente diversificados, do tradicional realismo social de "Basquete blues" (1994), de Steve James (n.1954), à narrativa mais peculiar de "Na captura dos Friedmans (2003), dirigido por Andrew Jarecki (n.1963).

O mundo indie tem sido fértil para os fãs dos gêneros cinematográficos. O maior sucesso é "A bruxa de Blair" (1999), filmado em vídeo, um falso documentário que prenunciava uma nova onda de filmes de terror com baixo orçamento. O dinheiro, obviamente, influi. Obras de gêneros podem sofrer com restrições financeiras. Dramas prosperam mesmo com uma escassez de recursos quase teatral, ao passo que o terror e a ficção científica são mais difíceis de se produzir quando existe um nível de expectativa alimentado por anos de efeitos especiais. De qualquer maneira, distante do reluzir dos orçamentos amplos, novas ideias expressas com inventividade podem produzir ficção científica que funciona sob qualquer parâmetro. "Gattaca" (1997), "Donnie Darko" (2001) e "O homem duplo" (2006) são produções independentes que lembran a ficção intimistra de "Alphaville" (1965), de Jean-Luc Godard (n.1930).


Em "Encontros e desencontros", Charlotte (Scarlet Johansson) e Bob (Bill Murray),
um improvável casa, mostram que tem muio em comum

Um grupo de produtoras independentes se tornou dominante no circuito - entre elas a October Films, a Good Machine e a outrora poderosa Miramax. Porém, como muitos filmes voltados para o grande público também se beneficiaram do prestígio da cena, com o tempo o "espírito indie" se tornou mais um selo do que realmente uma nova experiência cinematográfica. Alguns dos principais estúdios criaram subsidiárias supostamente autônomas, como a Fox Searching Pictures, mirando captar algo do espírito indie sob seus domínios. Muitos cineastas adotam a abordagem "um para você, outro para mim", alternando entre um filme feito sob as ordens de estúdio e um temperado com as próprias idiossincrasias. Com os filmes da série "Hellboy" (2004-2008) e "O labirinto do fauno" (2006), o mexicano Guillermo del Toro (n.1964) foi capaz de explorar uma história em espanhol mais próxima do seu modo de ver o mundo, enquanto também produzia aventuras tiradas de histórias em quadrinhos, de natureza mais comercial. Rodríguez alternou-se entre "Pequenos espiões" (2001) e os mais experimentais "Sin City" (2005) e "Planeta terror" (2007). Da mesma forma, Soderbergh alternou entre uma produção assumidamente vistosa (a trilogia "Onze homens e um segredo, 2001-2007) e empreendimentos arriscados que beiravam a vanguarda ("Confissões de uma garota de programa", 2009). Gus van Sant também flertou com temas mais próximos do convencional ("Gênio indomável", 1997), antes de voltar a lidar com material mais abstrato em "Gerry" (2002) e "Elefante" (2003). Além disso, também não é raro que diretores independentes aceitem a lucrativa função de remendar roteiros em projetos de Hollywood, renovando as produções tradicionais com toques autorais mais pessoais: Taratino trabalhou em "Maré vermelha" (1995) e Sayles, em "Apollo 13" (1995).

Durante toda a sua carreira, o diretor-ator-roteirista Orson Welles (1915-1985) bateu de frente com os estúdios na disputa pelo controle, procurando uma forma de finalizar sua visão. A situação não é diferente na Hollywood de hoje e diretores bem-sucedidos como os irmão Coen insistem em dar a palvra final na edição de seus trabalhos, garantindo que seus filmes de destaquem das convenções de Hollywood. O desafio para os cineastas independentes americanos é oferecer aos espectadores alternativas genuínas aos temas e às práticas de produção hollywoodiana padrão. De fato, filmes independentes podem obter sucessos de bilheteria: "Pequena Miss Sunshine" (2006) e "Atividade Paranormal" (2007), filme de terror de orçamento baixíssimo, são exemplos recentes. Outro deles é "Catfish" (2010), que se tornou famoso à custa de uma polêmica em torno de sua suposta natureza documental. Desde a virada para o século XXI, a saúde do cinema independente americano se esvaiu de forma notável, mas, à medida que o custo dos equipamentos diminuem, o mercado da internet aumenta e a criatividade de Hollywood entra em estagnação, a ressurgência da produção independente não deve ser desconsiderada.

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

1990 - O musical adolescente "Cry-Baby", dirigido por John Walters (n.1946), é lançado. Apresenta um grande elenco encabeçado por Johnny Depp.

1991 - O Festival de Cinema de Utah assume o nome de Festival de Cinema de Sundance: nasce uma marca.

1992 - Quentin Taratino faz "Cães de aluguel" e se torna um dos cineastras mais influentes da década.

1995 - "Dead man", de Jim Jarsmush, dá início ao gênero faroeste lisérgico.

1996 - Joel e Ethan Coen obtêm sucesso significativo com "Fargo", filme fundamental na carreira do ator Steve Buscemi, presença constante no cinema indie americano.

1998 - "Gênio Indomável" (1997), de Gus van Sant, ganh o Oscar de Melhor Roteiro para a dupla Matt Damon e Ben Affleck.

1998 - Chega aos cinemas "Felicidade", filme altamente polêmico de Todd Solondz sobre a solidão, a depressão e a pedofilia nos subúrbios americanos. 

1999 - Filmado em vídeo, "A bruxa de Blair" se torna o primeiro significativo a alcançar grande sucesso graças à divulgação via internet.

2003 - "Tiros em Columbine" ganha o Oscar de Melhor Documentário

2007 - "Pequena Miss Sunshine" (2006), de Valerie Faris (n.1958) e Jonathan Dayton (n.1957), ganha dois Oscars, entre eles o de Melhor Roteiro.