Com o objetivo de aproximar o leitor à gramática e à história do cinema, o blog Diaporama inicia, hoje, uma série de posts que falam sobre o início do cinema até os anos 2000. O objetivo é que, até o fim do ano, pesquisemos mais sobre a trajetória da sétima arte. Tanto para o leitor quanto para a equipe que escreve este blog, a ideia surge da necessidade de um maior repertório e aprendizagem sobre o assunto. As pesquisas são feitas pela internet e livros especializados (especificamente, "Tudo sobre cinema", de Philip Kemp). Para começar, falaremos sobre os primeiros épicos.
Os épicos exigem cenários elaborados, como esse em que se deu a corrida de bigas em "Quo Vadis?" |
Cartaz do filme "Civilização". O tema da guerra funcionou bem nas telas. |
Quando a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914, foi interrompido o desenvolvimento da indústria cinematográfica europeia, porém, os cineastas americanos continuaram a romper as barreiras da sétima arte. D.W. Griffith (1875-1948) dirigiu uma saga sobre a Guerra Civil Americana, "O nascimento de uma nação" (1915), uma obra inovadora por seu estilo técnico e narrativa. Só que os Estados Unidos não passaram ilesos pelos acontecimentos na Europa e o objetivo do filme era mostrar a guerra como algo abominável. Diretores exploraram o tema mais a fundo com filmes pacifistas como o alegórico "Civilização" (1916), de Thomas H. Ince (1882-1924). Ince foi um titã da incipiente indústria cinematográfica: um cineasta que também definiu os papéis de produtor e de produtor executivo no cinema, ajudou a desenvolver o sistema de estúdios em Hollywood e, em 1915, tornou-se cofundador da primeira grande produtora independente hollywoodiana, a Triangle Motion Picture Company.
Ince percebeu a necessidade de um lugar para a realização de longas-metragens que precisavam de sets, objetos cênicos, camarins e cenários grandiosos. Então, construiu o primeiro estúdio de que se tem notícia, a Inceville, num rancho em Los Angeles, onde filmou "Civilização". Passado no reino imaginário de Wredpryd, o filme acompanha o destino do comandante de um submarino que se recusava a atirar em um transatlântico civil suspeito de transportar munição para países inimigos. Em seguida, ele põe a pique a sua própria embarcação e vai parar no Purgatório. Ince, um verdadeiro showman, promoveu seu filme de 1 milhão de dólares com anúncios de jornal que ostentavam a extravagância da produção: "Dezoito mil dólares usados para munição em uma só batalha / 40 mil pessoas em uma grande batalha aérea." O filme foi um sucesso e seu retrato sangrento da guerra se mostrou tão eficiente que, quando os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial em 1917, ele foi retirado de cartaz.
Jesus (H. B. Warner) partilha o pão e vinho no épico bíblico "O rei dos reis", de Cecil B. DeMille |
Após conflito, diretores como Fritz Lang (1890-1976 causaram impacto na Europa. "Os nibelungos: a morte de Siegfriend" e "Os nibelungos: a vingança de Kriemhild" (ambos de 1924) foram baseados em um poema do século XIII sobre o guerreiro teutônico Siegfried. Produções suntuosas, com cenários fantásticos, cenas de batalha coreografadas e criaturas mitológicas, esses filmes assentaram as bases do épico de fantasia. No entanto, foi uma película cujo tema era a Primeira Guerra que se tornou o maior sucesso de bilheteria da era do cinema mudo: "O grande desfile" (1925), dirigido por King Vidor (1894-1982), alcançou a marca sem precedentes de 96 semanas em cartaz no Astor Theater de Nova York. Vidor criou um épico antibelicista que demonstra a brutalidade da guerra de trincheiras e emociona pelo retrato realista da intimidade. O filme traz John Gilbert no papel de Jim, um jovem rico e preguiçoso que é coagido a se alistar no Exército. À medida que amadurece, Jim faz amizade com seus colegas soldados, se apaixona por uma garota francesa e encara a realidade de perder seus entes queridos. A atenção que Vidor dispensa à camaradagem brincalhona entre os jovens soldados torna ainda mais aflitivo o destino fatal que os aguarda.
PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS
1912 - "Quo vadis?", o drama de 120 minutos, de Enrico Guazzoni, é a primeira produção cinematográfica com duas horas de duração.
1912 - Em Los Angeles, Thomas H. Ince constrói a Inceville, uma cidade de sets de filmagem onde ele dirige a maior parte dos seus filmes.
1913 - Os italianos Mario Caserini (1874-1920) e Eleuterio Rodolfi (1876-1933) realizam o extravagante "Os últimos dias de Pompeia".
1914 - "Cabiria" custa mais mais de 1 milhão de liras para ser realizado e se torna o filme mais caro de sua época.
1915 - "O nascimento de uma nação", com seus 190 minutos, quebra o recorde de filme mais longo do cinema.
1916 - D. W. Griffith responde a acusações de preconceito realizando o épico "Intolerância."
1921 - Influenciado por "Intolerância", Carl Theodor Dreyer (1889-1968) dirige "Páginas do livro de Satã", com suas várias histórias paralelas.
1923 - "Os dez mandamentos", de Cecil B. DeMille, um dos primeiros filmes coloridos do cinema, impressiona e maravilha os espectadores com o uso de trechos em tecnicolor.
1925 - Uma versão da primeira parte de "Os nibelungos", de Fritz Lang, é lançada nos EUA com uma trilha sonora wagneriana, o que enfurece o diretor austríaco.
1925 - Erich Von Stroheim (1885-1957) gasta 500 mil dólares para filmar o drama de 100 horas de duração "Ouro e madição". O filme é lançado pela MGM após ser reduzido para 150 minutos.
1927 - É lançado "O rei dos reis", épico de 1,26 milhão de dólares de Cecil B. DeMille sobre a vida de Cristo, que conta com um elenco de milhares de figurantes.
O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO - 1915
(The Birth of a Nation) - D. W. GRIFFITH (1875-1948)
A Ku Klux Klan cavalga triunfante por um cidade defendida por soldados negros. |
Os méritos do filme de D. W. Griffith são, de certa forma, eclipsados por seus conteúdo. Este relato épico de 190 minutos da Guerra Civil Americana e da subsequente ascensão da Ku Klux Clan é uma adaptação da peça teatral "The Clansman" (1905), do reverendo Thomas Dixon Jr. Ele analisa em detalhes os problemas que surgem quando os negros alcançam a igualdade de direitos dos brancos e celebra a bravura de uma sociedade secreta que "salvou o Sul da anarquia do domínio da raça negra".
No que se refere à técnica e à narrativa, o filme é uma maravilha dos primórdios do cinema. Outros diretores podem ter brincado com o potencial dos filmes e ajudado a forjar uma linguagem básica, porém foi Griffith quem a transformou em uma sintaxe cinematográfica ao reunir todas as técnicas já existentes, o que lhe permitiu expandir seus horizontes ao contar a história de duas famílias divididas pela Guerra Civil. Contudo, é impossível louvar tamanha inovação sem reservas em um filme cuja cena de abertura afirma ao espectador que "a vinda forçada dos africanos para os EUA plantou a semente da discórdia."
O cartaz reflete o célebre retrato dos cavaleiros do clã como nobres. |
O filme é dividido em duas partes, sendo que a primeira praticamente se limita à reconstituição histórica de como o Norte e o Sul entraram em conflito. No entanto, após o assassinato do presidente, Griffith embarcou em uma história alternativa da sociedade do pós-guerra, na qual o homem negro "comum" se encontra corrompido. Griffith argumentou que não havia atores negros na Califórnia à época, de modo que atores brancos maquiados representam os principais personagens negros e mestiços. Apesar dos protestos da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, o filme arrecadou uma bilheteria recorde de 18 milhões de dólares. Ele também reavivou o interesse na Ku Klux Klan, que àquela altura já havia praticamente desaparecido.
Confira "O Nascimento de uma nação" no link abaixo.