sexta-feira, 14 de junho de 2013

Os primeiros épicos

Com o objetivo de aproximar o leitor à gramática e à história do cinema, o blog Diaporama inicia, hoje, uma série de posts que falam sobre o início do cinema até os anos 2000. O objetivo é que, até o fim do ano, pesquisemos mais sobre a trajetória da sétima arte. Tanto para o leitor quanto para a equipe que escreve este blog, a ideia surge da necessidade de um maior repertório e aprendizagem sobre o assunto. As pesquisas são feitas pela internet e livros especializados (especificamente, "Tudo sobre cinema", de Philip Kemp). Para começar, falaremos sobre os primeiros épicos.

Os épicos exigem cenários elaborados, como esse em que se deu a corrida de bigas em "Quo Vadis?"
Os épicos são conhecidos por seus orçamentos vultuosos, cenários grandiosos, elencos enormes, olhar abrangente e, às vezes, por seus efeitos especiais. Nos primórdios do cinema, a tecnologia rudimentar limitava a capacidade de produção dos cineastas, porém, à medida em que ela se desenvolveu, os diretores puderam dar asas à imaginação. As origens do cinema épico se encontram na Europa e, mais precisamente, na Itália, onde os cineastas buscaram inspiração no passado clássico de seu país para realizar filmes visualmente extravagantes e de dimensões operísticas. Enrico Guazzoni (1876-1949) utilizou 5 mil figurantes em seu drama de nove rolos "Quo Vadis?" (1912), ambientado na Roma Antiga. Giovanni Pastrone (1883-1959) filmou "Cabiria: visione storica del terzo secolo AC" em múltiplas locações. O filme tem três horas de duração, um elenco de centenas de atores e cenários espetaculares. Pastrone e seu fotógrafo espanhol Segundo De Chomón foram os primeiros a utilizar um sistema de carrinho sobre trilhos para que a câmera pudesse se mover, o que lhes possibilitou criar travellings (efeitos de aproximação com a câmera) ininterruptos. De Chómon foi um especialista dos efeitos especiais, colaborando em "Napoleão (1927), dirigido por Abel Gance (1889-1981), um épico que explorou diversas técnicas de filmagem. Os épicos italianos do tipo espada e sandália foram uma grande influência para a produção hollywoodiana e inspiraram Cecil B. DeMille (1881-1959) a realizar sua primeira versão de "Os dez mandamentos" (1923), um espetáculo de 136 minutos que dramatiza a história bíblica de Moisés. DeMille pôs novamente em ação seu tino para grandes produções em 1927, quando dirigiu o espetacular épico bíblico "O rei dos reis", que contou com milhares de figurantes, e narrava a vida e morte de Jesus Cristo.

Cartaz do filme "Civilização". O tema
da guerra funcionou bem nas telas.

Quando a Primeira Guerra Mundial estourou em 1914, foi interrompido o desenvolvimento da indústria cinematográfica europeia, porém, os cineastas americanos continuaram a romper as barreiras da sétima arte. D.W. Griffith (1875-1948) dirigiu uma saga sobre a Guerra Civil Americana, "O nascimento de uma nação" (1915), uma obra inovadora por seu estilo técnico e narrativa. Só que os Estados Unidos não passaram ilesos pelos acontecimentos na Europa e o objetivo do filme era mostrar a guerra como algo abominável. Diretores exploraram o tema mais a fundo com filmes pacifistas como o alegórico "Civilização" (1916), de Thomas H. Ince (1882-1924). Ince foi um titã da incipiente indústria cinematográfica: um cineasta que também definiu os papéis de produtor e de produtor executivo no cinema, ajudou a desenvolver o sistema de estúdios em Hollywood e, em 1915, tornou-se cofundador da primeira grande produtora independente hollywoodiana, a Triangle Motion Picture Company.

Ince percebeu a necessidade de um lugar para a realização de longas-metragens que precisavam de sets, objetos cênicos, camarins e cenários grandiosos. Então, construiu o primeiro estúdio de que se tem notícia, a Inceville, num rancho em Los Angeles, onde filmou "Civilização". Passado no reino imaginário de Wredpryd, o filme acompanha o destino do comandante de um submarino que se recusava a atirar em um transatlântico civil suspeito de transportar munição para países inimigos. Em seguida, ele põe a pique a sua própria embarcação e vai parar no Purgatório. Ince, um verdadeiro showman, promoveu seu filme de 1 milhão de dólares com anúncios de jornal que ostentavam a extravagância da produção: "Dezoito mil dólares usados para munição em uma só batalha / 40 mil pessoas em uma grande batalha aérea." O filme foi um sucesso e seu retrato sangrento da guerra se mostrou tão eficiente que, quando os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial em 1917, ele foi retirado de cartaz.

Jesus (H. B. Warner) partilha o pão e vinho no épico bíblico "O rei dos reis",
de Cecil B. DeMille
Após conflito, diretores como Fritz Lang (1890-1976 causaram impacto na Europa. "Os nibelungos: a morte de Siegfriend" e "Os nibelungos: a vingança de Kriemhild" (ambos de 1924) foram baseados em um poema do século XIII sobre o guerreiro teutônico Siegfried. Produções suntuosas, com cenários fantásticos, cenas de batalha coreografadas e criaturas mitológicas, esses filmes assentaram as bases do épico de fantasia. No entanto, foi uma película cujo tema era a Primeira Guerra que se tornou o maior sucesso de bilheteria da era do cinema mudo: "O grande desfile" (1925), dirigido por King Vidor (1894-1982), alcançou a marca sem precedentes de 96 semanas em cartaz no Astor Theater de Nova York. Vidor criou um épico antibelicista que demonstra a brutalidade da guerra de trincheiras e emociona pelo retrato realista da intimidade. O filme traz John Gilbert no papel de Jim, um jovem rico e preguiçoso que é coagido a se alistar no Exército. À medida que amadurece, Jim faz amizade com seus colegas soldados, se apaixona por uma garota francesa e encara a realidade de perder seus entes queridos. A atenção que Vidor dispensa à camaradagem brincalhona entre os jovens soldados torna ainda mais aflitivo o destino fatal que os aguarda.

PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS

1912 - "Quo vadis?", o drama de 120 minutos, de Enrico Guazzoni, é a primeira produção cinematográfica com duas horas de duração.

1912 - Em Los Angeles, Thomas H. Ince constrói a Inceville, uma cidade de sets de filmagem onde ele dirige a maior parte dos seus filmes.

1913 - Os italianos Mario Caserini (1874-1920) e Eleuterio Rodolfi (1876-1933) realizam o extravagante "Os últimos dias de Pompeia".

1914 - "Cabiria" custa mais mais de 1 milhão de liras para ser realizado e se torna o filme mais caro de sua época.

1915 - "O nascimento de uma nação", com seus 190 minutos, quebra o recorde de filme mais longo do cinema.

1916 - D. W. Griffith responde a acusações de preconceito realizando o épico "Intolerância."

1921 - Influenciado por "Intolerância", Carl Theodor Dreyer (1889-1968) dirige "Páginas do livro de Satã", com suas várias histórias paralelas.

1923 - "Os dez mandamentos", de Cecil B. DeMille, um dos primeiros filmes coloridos do cinema, impressiona e maravilha os espectadores com o uso de trechos em tecnicolor.

1925 - Uma versão da primeira parte de "Os nibelungos", de Fritz Lang, é lançada nos EUA com uma trilha sonora wagneriana, o que enfurece o diretor austríaco. 

1925 - Erich Von Stroheim (1885-1957) gasta 500 mil dólares para filmar o drama de 100 horas de duração "Ouro e madição". O filme é lançado pela MGM após ser reduzido para 150 minutos.

1927 - É lançado "O rei dos reis", épico de 1,26 milhão de dólares de Cecil B. DeMille sobre a vida de Cristo, que conta com um elenco de milhares de figurantes.

O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO - 1915
(The Birth of a Nation) - D. W. GRIFFITH  (1875-1948)

A Ku Klux Klan cavalga triunfante por um cidade defendida por soldados negros.
Os méritos do filme de D. W. Griffith são, de certa forma, eclipsados por seus conteúdo. Este relato épico de 190 minutos da Guerra Civil Americana e da subsequente ascensão da Ku Klux Clan é uma adaptação da peça teatral "The Clansman" (1905), do reverendo Thomas Dixon Jr. Ele analisa em detalhes os problemas que surgem quando os negros alcançam a igualdade de direitos dos brancos e celebra a bravura de uma sociedade secreta que "salvou o Sul da anarquia do domínio da raça negra".


No que se refere à técnica e à narrativa, o filme é uma maravilha dos primórdios do cinema. Outros diretores podem ter brincado com o potencial dos filmes e ajudado a forjar uma linguagem básica, porém foi Griffith quem a transformou em uma sintaxe cinematográfica ao reunir todas as técnicas já existentes, o que lhe permitiu expandir seus horizontes ao contar a história de duas famílias divididas pela Guerra Civil. Contudo, é impossível louvar tamanha inovação sem reservas em um filme cuja cena de abertura afirma ao espectador que "a vinda forçada dos africanos para os EUA plantou a semente da discórdia."

O cartaz reflete o célebre retrato dos cavaleiros
do clã como nobres.
O filme é dividido em duas partes, sendo que a primeira praticamente se limita à reconstituição histórica de como o Norte e o Sul entraram em conflito. No entanto, após o assassinato do presidente, Griffith embarcou em uma história alternativa da sociedade do pós-guerra, na qual o homem negro "comum" se encontra corrompido. Griffith argumentou que não havia atores negros na Califórnia à época, de modo que atores brancos maquiados representam os principais personagens negros e mestiços. Apesar dos protestos da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor, o filme arrecadou uma bilheteria recorde de 18 milhões de dólares. Ele também reavivou o interesse na Ku Klux Klan, que àquela altura já havia praticamente desaparecido.

Confira "O Nascimento de uma nação" no link abaixo.

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